domingo, 29 de julho de 2012

Da Serra do Marão ao Douro, a desaguar no Porto.


Ó Serra das divinas madrugadas,

Das estrelas, das nuvens e do vento

E das águias enormes, chamuscadas

Do sol e dos relâmpagos vermelhos!

Ó trágico Marão! Ó serra esfíngica,

De muda e dolorosa face humana,

Com a cauda ondeante sobre o Minho

E as garras sobre a terra transmontana!



                                                    Teixeira de Pascoaes, Sombras



A Serra do Marão constitui a referência paisagística mais importante do território transmontano, por este motivo foi criada em 19 de Fevereiro de 1958, D.G. nº 41533, a Região de Turismo da Serra do Marão, agregando os concelhos de aquém e além serra, conciliando os interesses e as semelhanças dos povos da entrada na província com as da região de Basto, estendendo-se ainda pelos concelhos durienses de Alijó, Sabrosa e Murça.



                Este espaço biogeográfico com características únicas, o mais sublime de Portugal, foi promovido e divulgado como um todo, criando sinergias de reconhecimento que advieram de presenças constantes nas feiras e eventos do “trade”, com enorme entusiasmo, dedicação e qualidade muito superior á quantidade dos recursos disponíveis. Criou-se assim, durante cinco décadas, um produto, uma marca e um destino.

               

                A atividade turística tem sido apresentada como uma “poção mágica” para resolução das dificuldades do país. Ao longo dos tempos aparecem inúmeros relatórios, programas de intenções e conselhos de refutados gurus que constantemente mudam o rumo das agulhas. Tanto fazem e desfazem ministérios, como secretarias de estado e ultimamente institutos públicos, consoante as correntes e modas dos tempos ou das ideologias governativas. Todo este percurso turbulento e ziguezagueante é nefasto para a indústria em si e para os seus agentes, sejam eles privados ou institucionais.



                Contraditoriamente, nas últimas décadas surgiram apoios financeiros únicos através dos programas LEADER´s, PRODER´s, QREN´s e outros.      Apareceram agentes implementadores com propósitos e recursos recheados de milhões que nunca conseguiram implementar nem desenvolver dinâmicas de sustentabilidade do produto turístico visíveis na região.



                Estas sobreposições e perturbações constantes conduziram, entre outros malefícios, ao términus da Região de Turismo da Serra do Marão, desta à entidade do Turismo do Douro, passando agora para a Entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal.



                Teremos urgentemente que voltar às origens servindo autenticidade e proximidade, conservando a memória coletiva através dos produtos e dos saberes das populações, potenciando os recursos naturais onde a preservação da qualidade da água é fundamental, embelezando a paisagem, renovando e regenerando todo o meio envolvente, promovendo-se a excelência, comercializando a raridade.



                No Marão temos condições únicas, como nos foi demonstrado recentemente por Elísio Amaral Neves, um ex-Presidente da Região de Turismo da Serra do Marão, o de melhor memória, que divulgou um trabalho de 1906 onde o Dr. Cerqueira Magro defendia a criação de uma estância na Serra, explorando as potencialidades das nascentes do Ramalhoso.



                O Padre Francisco Alves, em 1929, na exposição portuguesa realizada em Sevilha definia “o transmontano é robusto e inteligente, habita um clima seco e rigoroso com paisagem vasta. Tem espírito rasgado e místico”, mesmo que nos tirem os anéis saibamos defender a nossa cultura e identidade que nos circula na seiva dos dedos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Dar vida ao Douro


                           DAR  VIDA  AO  DOURO

Os percursos de Miguel Torga, a agricultura, o turismo, a escola.

A propósito da obra de Miguel Torga e a sua contextualização turística, realizou-se na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Ferrão, um debate muito profícuo,  com diversificadas abordagens da situação Duriense.

No meu entender todos os esforços que visem o sucesso da cultura e do turismo na região, só obterão  a excelência se possibilitarem DAR VIDA AO DOURO.

Como ?

Através de uma agricultura moderna, produtiva, rentável e sustentada, que permita a fixação dos jovens à terra, e às suas comunidades de origem, tentando estancar a hemorragia que , durante o último quarto de século, vem levando da região, cinco habitantes por dia.

Através da criação de uma dinâmica económica que permita tornar o rio e as suas margens um factor de progresso e desenvolvimento, à semelhança do Reno Romântico:
    Onde navegam milhares de embarcações com carga, passageiros e turistas que passeiam entre os inúmeros cais e infra-estruturas portuárias.
     Onde nas margens encontramos linhas férreas, serpenteadas  por comboios com vagões carregados ,  e carruagens  apinhadas com turistas de diferentes recursos financeiros.
     Onde existem estradas sinuosas, mas bem alcatroadas, bordejadas por vistosas sebes e eficazmente sinalizadas.
     Onde ao virar de cada curva se descobrem gigantes painéis informativos, apelando à paragem do viandante, com indicações relativas, e à visita a castelos, hotéis de charme,”wine shops “, centros de artesanato, gastronomia ,etc.
     Onde existe um aeroporto de proximidade,  Frankfurt / Hahn  ,uma antiga base aérea adaptada, que sem grandes luxos, mas com muita funcionalidade e informação, permita chegada e partida dos milhares de visitantes oriundos de todo o Mundo.  

A linha  férrea do Douro não pode permanecer fechada a montante do Pocinho, esta via tem que ser urgentemente reaberta, permitindo a circulação das locomotivas até Salamanca. Se  for impossível uma utilização normal, que  seja, no mínimo, para uso turístico / cultural.
É necessário criar uma complementaridade com as estruturas fluviais de navegação. Barca de Alva tem que ser um porto de saída para o Oceano Atlântico. É assim que os castelhanos denominam o seu cais de Vega de Terron.

Somente depois de termos estas potencialidades económicas a funcionar com vida própria e sem artificialismos, é que estamos em condições de obter a máxima rentabilidade na indústria dos sonhos  - o turismo.
 É importante não descurar a actividade cultural.  Divulgando os nossos escritores, conhecendo as aldeias onde nasceram, as escolas que frequentaram, os percursos que calcorrearam, as vivências que os tornaram ilustres e lhes proporcionaram o desenvolver ficcional e inolvidável das suas obras.
Então sim, deveremos saber adornar os factos com a fantasia dos afectos. Valorizar o que temos, mostrar com orgulho o mais profundo de um povo com as suas gentes maravilhosas e um país extraordinário com enormes potencialidades.

A grande homenagem a Torga, a Camilo, a Eça, a Aquilino e tantos outros, deve ser feita por todos nós, mas sobretudo pela Escola.
É, obrigatoriamente, o lugar onde os jovens precisam de contactar com a vida, a obra, os locais, as ideias e os sentimentos dos escritores portugueses. Fazendo-o de uma forma activa, emocionada, vivida e empenhada, substituindo ou complementando os esforços que na  escola actual se fazem no tratamento de certos Dias Mundiais, sem chama, nem brilho, nem alma.

Os temas, os escritores, os locais, os percursos, os sítios da nossa história local, devem ser trabalhados apaixonadamente. Assim se faz  nas turmas nocturnas da Escola Diogo Cão de Vila Real, dos cursos   Recorrente  e  EFA , onde numa conjugação de esforços e desafios  de professores, alunos e Conselho Executivo se dá vida à  obra de Miguel Torga, Camilo Castelo Branco, ao Roteiro da Avenida Carvalho Araújo, à Lenda do Santo Soldado, à Gastronomia Transmontana, à  Linha do Corgo e ao Jardim da Carreira.

É  aliando  escola, economia e sociedade, ás condições  ímpares que a Natureza nos deu que poderemos estabelecer sinergias dinâmicas de desenvolvimento, para enfrentar um futuro de optimismo e de sucesso…na NOSSA TERRA TRANSMONTANA / DURIENSE.


   
HILÁRIO NÉRY DE OLIVEIRA

Professor de História

Dar vida ao Douro


LINHA DO DOURO

APROVEITAR O LEGADO DO PASSADO PARA ENFRENTAR O FUTURO


No dia 29 de Outubro realizou-se na ponte internacional sobre o Rio Águeda um fervoroso encontro de comunidades raianas.
            Comemoraram-se os 119 anos da inauguração, (1887) da linha de Ferro de Barca D´Alva, que unia o planalto Salmantino ao Parque Natural das Arribas do Douro, encerrada desde 1985.

            Centenas de espanhóis conviveram com dezenas de portugueses, todos unidos por uma causa comum. Dar vida ao património industrial e sobretudo defender o intercâmbio cultural etnográfico e turístico que a reabertura desta linha permitiria.

            Julgo, que só os argumentos histórico/culturais podem prevalecer nesta árdua tarefa de sensibilização dos poderes de Lisboa e de Madrid, pois a realidade dos novos transportes internacionais afastou-se da região, escolhendo outras vias e outros destinos.

            O importante, e a postura que se exige neste momento aos responsáveis locais e aos promotores da ideia é não dispersarem forças contra causas perdidas, mas potenciar aquilo que pode ser feito na valorização do muito que ainda resta da linha férrea e suas infra-estruturas, não desperdiçando esta janela que se abre com novas oportunidades.

            - É necessário limpar e conservar o existente: estações, apeadeiros, pontes, túneis, facilitando assim a visita e o usufruto em condições de segurança.
            - Sinalizar os pontos de referência da linha de forma a serem explorados por novas actividades lúdico desportivas como montanhismo, espeleologia, alpinismo, etc.
            - Colocar painéis informativos com dados sobre a construção, técnicas, materiais utilizados.
            - Criar um centro de interpretação proporcionando visitas acompanhadas, transformando a linha num Eco- Museu –Industrial, a frequentar por escolas, universidades, pelos turistas que sobem o Douro e pelos membros das Associações Internacionais dos Amigos do Comboio.
            - Associar os eventos da linha-férrea a outros das cercanias, criando uma dinâmica difusora das potencialidades regionais, como o turismo fluvial, a gastronomia, os produtos certificados, as visitas a centros produtores de azeite e vinho biológico, os passeios educacionais de barco ao longo das arribas do Douro Internacional sob o olhar vigilante da Cegonha Negra.
- Elaborar roteiros de sítios arqueológicos como as “Gravuras de Foz Côa” ou o “Cavalo de Mazouco” em Freixo de Espada à Cinta.
            - Promover passeios a aldeias históricas como Castelo Rodrigo, Escalhão, Almendra.
            - Atrair os amantes da caça para as reservas do planalto Mirandês e os da pesca para o grande rio e seus afluentes.
            - Divulgar percursos alternativos de descoberta, como o itinerário deslumbrante de Pocinho – Urros – Ligares - Barca D´Alva.

            Será então possível a partir do conhecimento desta riqueza natural, paisagística, histórica e etnográfica caminhar para a divulgação e valorização das potencialidades do Douro actual, nomeadamente os novos acessos, os novos produtos agrícolas e a nova oferta turística-hoteleira..

            É com agrado que se contempla alinhados no horizonte milhares de hectares que estão a ser saibrados com plantações modernas de vinha e olival, só possíveis graças às novas tecnologias dos sistemas de rega gota-a-gota que permitem juntar, agora, às qualidades intrínsecas da terra e do sol,o  poder criador da água.

            No Douro, nomeadamente no superior, existe um diversificado portfólio de sinergias de desenvolvimento, por isso é de louvar a escolha de um dos seus concelhos, para sede da Associação Parques Com Vida.

            Só assim se evitará que a região seja unicamente um lugar de partida.
 Partiram as gentes, partiram os comboios… e até as lapadas de granito, patinadas pelos musgos dos Invernos e mirradas pelo Estio, estão à beira da estrada, colocadas em paletes… à espera da hora da partida.








Hilário Néry de Oliveira
Professor de História

Aldeias Trasmontanas


Aldeias Trasmontanas

Fartura de Congressos / resultados….

Na última edição do Semanário “A Voz de Trás-os-Montes” encontramos referências a quatro iniciativas relacionadas com as aldeias e o Mundo Rural:

§ A Convenção Europeia da Montanha, Chaves, 14 e 15 de Setembro;           
§  Murça esteve representada na Hungria no Congresso “ O futuro dos rios e cursos de água no mundo rural europeu”;   
§  Em Macedo de Cavaleiros realizaram-se as “ I Jornadas Ibéricas de Recuperação de Aldeias Abandonadas” 22 a 24 de Setembro;
§ Em Boticas no 29 de Setembro haverá um Simpósio Internacional “Inovação e Identidade no Desenvolvimento Rural”.

            Nunca como hoje o Mundo Rural foi tão debatido e as suas temáticas envolventes tratadas com tanto rigor e empenho por ilustres especialistas nacionais e estrangeiros.

            Será que este esforço, de louvar e aplaudir, dos organizadores e dos participantes terá resultados consequentes para as aldeias e as suas populações?

            Será que a resposta para os nossos problemas e necessidades se encontra em projectos e exemplos Europeus descontextualizados e inadaptados à especificidade da nossa região Trasmontana, do nosso clima, da nossa cultura, das nossas tradições e sobretudo do imaginário que povoa a mente do homem rude e agreste das nossas montanhas.

            Em Trás-os-Montes “apenas” necessitamos de valorizar as características e autenticidade do nosso território dando visibilidade aos elementos de base:

            - Os Espaços naturais verdadeiramente preservados.

            - As Paisagens protegidas.

            - O Património arquitectural cuidadosamente valorizado.

            - Os produtos locais de qualidade e a gastronomia típica.

            - O artesanato original e criativo.

            - As tradições e as práticas culturais guardadas ao longo dos tempos.

- Oferta de um vasto leque de actividades de lazer que explorem os pontos de atracção turística, sem os desvirtuar.

- Organizar itinerários de visita originais, ao encontro de paisagens, locais e monumentos que mantêm a sua autenticidade.

            - Privilegiar, sempre, as relações com a população local.

            As aldeias têm que ter gentes e vida própria só assim conseguiremos preservar um passado histórico ancestral, bem demarcado nos hábitos e costumes primitivos que ainda mantêm a chama da tradição com legados que andam de boca em boca. Só assim se conseguirá pôr em evidência a identidade de um povo serrano, fiel aos seus usos e costumes, labutando dura e teimosamente numa área algo rude e aparentemente hostil, mas com recursos de excelente qualidade e genuidade, sobrevivendo em harmonia e equilíbrio com a Natureza.
           
            Qualquer intervenção terá que ter em conta a melhoria da qualidade de vida das populações e a preservação das condições naturais existentes.

            Estas causas têm que ser colectivas, em especial daqueles, entre os quais me incluo, que tiveram a fortuna e a felicidade de terem nascido numa aldeia de Trás-os-Montes, num reino de liberdade para homens, animais e plantas, e… por lá continuam, como diz Miguel Torga no seu Diário, “ a receber ordens dos seus antepassados”, para que a citação do escritor castelhano Júlio Llamazares não seja eternamente correcta: 
Haverá no Mundo terra mais pobre que esta? - Sim. Trás-os-Montes, em Portugal


Festa de Santa Ana - Campeã


SANTA ANA

DÁ BRILHO À CAMPEÃ E  FELICIDADE  ÀS  SUAS  GENTES


Correcto e afirmativo, foi assim que o agente da GNR, em serviço num dos cruzamentos do percurso, respondeu às instruções do seu superior. Era necessário desimpedir a rua para passar a Majestosa Procissão de Santa Ana.
É sem dúvida o grande acontecimento anual das Terras do Vale, compostas pelas freguesias de Campeã; Vila Cova e Quintã.

Neste fim-de-semana a população triplica, chegam de toda a parte da Europa, milhares de filhos da terra que labutam no Luxemburgo; na França; na Suiça; na Bélgica; na Inglaterra; na Espanha e outros vindos do próprio país, em especial das regiões do Litoral, para onde migraram à procura de um nível de vida superior àquele que as  potencialidades maronesas lhes podia oferecer.

É o grande momento do encontro ou reencontro, do compartilhar emoções, tristezas e alegrias, do apresentar os novos elementos da família: mais um filho; mais um neto; um genro; uma nora. É o momento para iniciar, apalavrar ou concluir, negócios, compras, vendas, trocas, partilhas, etc.
É o momento de retomar relações sociais e fortalecer laços de amizade, lá vem o convite para uma visita, um copo, uma ida à adega provar o presunto, que desde o Inverno aguardava por este destino no gancho da salgadeira, ou degustar os salpicões para ver se ainda mantêm o sabor e os temperos dos velhos tempos das avós.

Santa Ana, a avozinha de todos nós, brilha e faz brilhar em especial a Campeã e as suas gentes, aumenta-lhes a felicidade, reforça-lhes o ego, mantém-nos unidos ao rincão Natal. Santa Ana é o argumento único que consegue plasmar e fazer prevalecer todas as razões porque estes povos regressam com alegria, ternura e por vezes com sacrifício à sua terra e lhes redobra as energias e a vontade para regressarem, obrigatoriamente, no próximo ano.

Santa Ana, esposa de S. Joaquim, mãe de Maria e avó de Jesus Cristo, é o símbolo esplendoroso de uma sociedade matriarcal onde todos nos revemos, em especial os povos e as gentes através de afinidades culturais, humanas e climáticas que constituem este “Terroir”  da  Campeã, onde por força das necessidades os homens tiveram de partir em busca do sustento, enquanto as mulheres ficaram ao leme da família, por vezes comparada a uma grande nau à deriva nas águas revoltas e turbulentas  de uma  tempestade, procurando encontrar sobre a espuma  alva o rumo certo.

Cada ano que passa a Procissão cresce, ganha dimensão e qualidade, tanto no número de figurantes como na decoração dos andores, mas sobretudo na postura correcta, empenhada e digna daqueles que a corporizam: Os cavaleiros, a fanfarra, os escuteiros, as confrarias, os anjinhos, as bandas musicais, os acompanhantes.
Tudo sabiamente dirigido e orquestrado pelo Pároco Sr. Dr. Manuel Queirós. Uma força dinâmica da Natureza que Providencialmente foi colocada na freguesia, onde tem sabido lançar e fazer germinar as sementes que com maestria deita à terra.

Se o grande momento religioso das festas é a Procissão de Domingo, o grande cartaz etnográfico desenvolve-se no Sábado, com um programa diversificado de actividades, com realce para a Feira do gado, sobretudo com a atribuição dos prémios da Raça Maronesa.

Dezenas de juntas de bois e vacas são colocadas a concurso, todas vistosas e imponentes, bem ataviadas, limpas e escovadas com peles lustrosas, ornamentadas com garridas fitas encarnadas e sonoros colares de chocalhos.
Levar o gado ao concurso e ganhar o prémio é o corolário de um ano de trabalho e de canseiras. O resultado de um tratamento sábio e de uma alimentação cuidada e reforçada, é o brio de toda a família ali representado.
É uma alegria imensurável receber a Taça das mãos do Senhor Presidente da Junta de Freguesia e do Senhor Presidente da Junta de Agricultores, que no cimo de um palanque as entregam como reconhecimento das qualidades dos animais autóctones.

Que bonito é ver estas duas entidades de mãos dadas em prol de uma causa comum. Bom seria que assim fosse para todos os grandes projectos e desígnios futuros da freguesia, que acima das diferentes cores estivesse sempre o progresso, a afirmação e o desenvolvimento da terra como único objectivo.

Terminado o prémio do Maronês, segue-se a tradicional corrida de cavalos em Passo-travado. Este ano inaugurou-se uma nova pista, mais ampla e com melhores condições sobretudo para espectadores e cavaleiros. Foram muitos os que nos visitaram, bem apetrechados com montadas de superior qualidade que entusiasmaram toda a assistência espalhada ao longo das margens sobre os muros de xisto dos lameiros verdejantes.

Mas o Sábado de festa só termina depois de uma volta completa pelos restaurantes da terra. É obrigatório provar o cabrito assado do Restaurante Amaro, as deliciosas tripas do Restaurante Alberto da Feira e, a chanfana de cabra do Restaurante Zézita, que a mãe D. Cidália, nos meados do Séc. passado, trouxe das encostas do Rio Mondego, para as cercanias da Serra do Marão.
Tudo como na infância, quando me diziam: “Hoje, excepcionalmente, podes comer o cabrito com as mãos, mas a seguir tens que ir a correr lavá-las à Fonte da Venda, para depois irmos às tendeiras comprar o brinquedo, prenda da Festa”.
Já sabia que vinha mais uma bola, pois a automaca vermelha de folha de Flandres e a espingarda de madeira de carregar pela boca, seriam sempre censuradas.
A primeira pela cor, a segunda pelo combate à agressividade.



Hilário Néry de Oliveira, Professor de História


Padrão dos Centenários - Alto da Freita -Serra do Marão



O Padrão Comemorativo dos Centenários da Pátria

Alto da Freita – Serra do Marão – Campeã

Em Setembro de 1939 Hitler iniciou as operações militares contra a Polónia.
A Inglaterra e a França, não conseguindo obrigar Hitler a recuar, declararam guerra à Alemanha.
Em Maio de 1940, Hitler invade a Bélgica, Holanda e Luxemburgo e em 14 de Junho os Alemães entram em Paris.
Assim começa e desenvolve-se a 2ª grande Guerra Mundial. Na Europa vivem-se tempos de incerteza, constrangimentos e retracção.

Em Portugal, a estabilidade conseguida através do poder autoritário, proporciona que no ano de 1940, o Estado Novo atinja o seu apogeu.
Com o fim de comemorar o oitavo centenário da Independência Nacional (1143) e o terceiro da Restauração (1640), o regime organizou uma grandiosa Exposição do Mundo Português, nos terrenos marginais do Tejo junto ao Mosteiro dos Jerónimos e à Torre de Belém.
As festas dos centenários que se estendem por todo país, abrem no princípio de Junho de 1940.
Recupera-se património, em especial o Castelo de Guimarães, publicam-se livros e realizam-se filmes, usa-se o teatro e as peças de revistas para enaltecer os feitos históricos dos antepassados.

Em Vila Real, o Governador Civil, Tenente Horácio de Assis Gonçalves, também quis associar a região transmontana à efeméride, mandando elaborar o projecto do “Padrão Comemorativo dos Centenários da Pátria” a colocar no Alto da Freita, agulha mais saliente e altaneira da recortada Crista do Marão com os seus 1415 mts de altitude, na freguesia de Campeã, sobranceiro ao grande pórtico de entrada na Província de Trás-os-Montes, o rompimento do Alto de Espinho.
Juntou esforços, grandes e pequenas dádivas, obteve apoios de todas as Câmaras Municipais do Distrito e da Junta da Província.
Reuniu com os representantes das freguesias do Marão, pediu aos párocos para através da missa dominical apelar às contribuições dos povos da Serra, toda a ajuda seria preciosa: dinheiro, dias de trabalho, cedência de carros e juntas de bois.
Solicitou apoios especiais aos concessionários das minas de volfrâmio e estanho da Serra: Minas do Ramalhoso; Minas das Rodas do Marão; do Ramalhal; da Tapada de Frieiras; da Portela da Gaiva; do Pedrado; do Monte Figueira; do Teixo e de Maria Isabel. Relembrou que seriam necessários cabedais (moeda) e em especial a cedência de homens experimentados no manejo de rastilho e pólvora para extracção da pedra dos fragões.
Mandou contactar serradores e carpinteiros de primeira, conhecidos por “Biscainhos da Galiza”, que estavam a trabalhar na construção da moderna siderurgia a instalar na rechã do Vale da Campeã, na Sardoeira.


Este projecto e proposta colectiva entusiasmou todas as gentes, em especial os pobres lavradores e jornaleiros das proximidades, teriam oportunidade de juntar uns cobres aos parcos rendimentos da batata e da castanha.
Contente andava o velho Estraminé, sardinheiro do lugar da Boavista, contratado para abastecer de sardinhas salgadas em barricas os pedreiros da obra.
Muito satisfeitas ficaram as doceiras da Teixeira com as encomendas do saboroso doce, que iria chegar ao Pico da Freita nas cestas de castanho nos dorsos dos machos dos almocreves.
O ferreiro, “Barulho” de alcunha, também esfregava as mãos de contentamento, reforçando até as encomendas de carvão para a forja. Além do aumento das receitas, via forma de mostrar a qualidade da tempera que só ele sabia dar aos picos, aos ferros, e ponteiros usados na exploração e aparelhamento da pedra xistosa.
Feliz e ansioso andava o Senhor Abade Lemos, teria mais um Templo para celebrar missas à Nossa Senhora da Serra com a intenção que a chuva aparecesse. Já sonhava com a grande cerimónia de inauguração e consagração, preparando um grupo coral, também já contemplava no altar as toalhas de armar em linho alvo com bainhas abertas executadas sábia e pacientemente pelas tecedeiras de Viariz da Poça.

Durante o Verão o projecto avançou com rapidez e entusiasmo.
Na cerimónia de colocação da “Primeira Pedra” referiu o Sr. Governador:
O Padrão comemorativo dos Centenários da Pátria, erguer-se-há nas cumeadas do Marão, para dominar montes e vales e aqui ficar, como um sinal do nosso tempo.
Neste monumento Histórico, que prevemos singular, se simbolizará, com exuberância e perfeição, pelo plano elegante do projecto e traça artística que comporta, um passado de Oito Séculos, cuja grandeza e vigor os tempos se habituaram a respeitar…
Padrão de transmontanos, monumento votivo do passado glorioso da Pátria, pensado por transmontanos, saído de mãos transmontanas e construído com materiais de Trás-os-Montes, é obra de arquitectura que o consagrado talento de Baltazar de Castro animou e Rogério de Azevedo soube traduzir em salientes traços de mestria….
Altar e Padrão dos transmontanos.. nele se conjugarão o “medieval” da Fundação, com o “moderno” da Renovação, estreitamente ligadas pelo “religioso””.

Os trabalhos prosseguiram com afinco, fizeram-se medições e estabeleceram-se cotas. Implantou-se a obra no terreno, escavaram-se fundações e alicerces, construíram-se as primeiras paredes, mas a chegada rápida do Inverno obrigou à suspensão da construção.
Pior do que o Inverno rigoroso do Marão, com ventos ciclónicos, neves altas e duradouras, o gelo transformado em cinzel, foram as trevas que a Europa teve de enfrentar.
A guerra continuava cada vez mais horrorosa e mortífera. Os combates encarniçados desenvolviam-se por quase todo o Continente. Aliados e Alemães perdiam milhares de carros de combate, aviões, e todo o tipo de armamento, era necessário reforçar a produção nas fábricas e a extracção de matérias-primas nas minas.
Os mineiros tiveram de trabalhar dia e noite para satisfazer as grandes encomendas que chegavam dos dois lados da guerra.
Toda a produção era escassa para o fabrico de armas e munições.



O preço do “volfro” e do estanho disparou em flecha.
Mineiros, concessionários, intermediários, contrabandistas locais e internacionais rejubilaram com a negociata.
Esta fortuna fácil atraiu homens Maroneses que descobriram nas entranhas da Serra a riqueza negra do volfrâmio. Para lá se precipitaram esquecendo a pele da terra donde só com suor e canseira algum proveito brotava. De bom grado se lançaram nesta perene aventura que lhes prometia incontáveis riquezas.
Muitos dos camponeses trocaram a enxada pela picareta, esventraram as escombreiras do Marão, fazendo “garimpa”, prospecção individual, frequentemente ilícita, enfrentando as forças da ordem, vendendo a Aliados e Alemães.
Outros roubam minério, o “ouro negro”, ou entram para as redes de contrabando.
É a vaga dos novos-ricos desfazendo fortunas ao ritmo que as ganham.
Conta-se que chegavam a fabricar cigarros usando como papel de “mortalha” as notas do Banco de Portugal, outros davam-se ao luxo de acompanhar a malga de caldo com pão-de-ló.
Histórias que são testemunhas os cumes da serra onde nasce e morre a esperança.

A 2º Grande Guerra Mundial prolongou-se até 1945.
Em Portugal, a época das comemorações já tinha ficado para trás. Agora os interesses e prioridades estavam voltados para as obras públicas, para o desenvolvimento industrial na periferia das grandes cidades, mantendo as populações rurais do interior um atraso de estagnação agrícola e económica, avizinhava-se a saída em massa da população rural para o estrangeiro onde procurava melhores condições de trabalho e de vida.
O Padrão do Centenário ficou-se pelas paredes iniciais…
Hoje, no Alto da Freita, no “Grande Marão que não dá palha nem grão” encontramos dois gigantes aero-geradores, que produzem energia eólica para nos iluminar e aquecer, valendo milhões de Euros, e um Posto de Vigia, munido de uma luneta de longo alcance com deslumbrante panorama sobre a vertente oriental do Marão. Sinal dos Tempos.

                                                                                 
Hilário Néry de Oliveira


Fontes:

- Jornal “A Hora” – Tomo I

- Portugal Século XX - Círculo Leitores

- História de Portugal – Círculo Leitores

- A Segunda Guerra Mundial – Círculo Leitores

- Recolha Oral: Entrevistas a Velhos Mineiros

A nossa batata


BATATA DA CAMPEÃ
ECOLÓGICA – DE CONSERVAÇÃO – GOURMET
As nossas terras, frias e profundas, no Vale da Campeã, com elevado teor de matéria orgânica natural,                     sem  qualquer recurso a regadio,  apresentam condições de fertilidade excelentes.
 A natureza  cria  aqui  um tubérculo, de sabor único, com características diferenciadoras e inigualáveis.
 SUAVE NA BOCA – MACIO – COM PALADAR INTENSOVANTAGENS DA BATATA NA ALIMENTAÇÃO
A batata contém imensos hidratos de carbono, proteínas de alta qualidade, além de considerável quantidade de vitaminas e sais minerais.
100 gramas de batata cozida conseguem satisfazer até 13% da quantidade diária de proteína recomendada para crianças e até 7% para adultos.
A batata possui uma relação muito equilibrada de proteína e energia.
A batata é boa fonte de vitamina C e de algumas vitaminas do complexo B, especialmente niacina, tiamina e vitamina B6.
A batata é uma razoável fonte de ferro, boa fonte de fósforo e magnésio e uma óptima fonte de potássio.
O seu baixo conteúdo de sódio aconselha a utilização em dietas que exigem baixo teor de sal.Scan0002.tif
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Turmas EFA à descoberta de Vila Real


Turmas EFA à descoberta da cidade
No dia 31 de Outubro, Dia Mundial da Poupança, fomos realizar uma visita ao Jardim da Carreira e áreas circundantes.
Iniciamos a visita pelo Convento de São Francisco actuais instalações da G.N.R., fundado em 1573.
Na rotunda em frente apreciamos um vistoso padrão ornamentando um pequeno canteiro.
Entramos na rua da Carreira de Baixo, actual avenida Almeida Lucena, logo vimos muitos jovens do curso de economia da UTAD à porta do belíssimo edifício de São Francisco, imponente construção que também já serviu de quartel ao Regimento de Infantaria nº13.
A meio da rua ficamos deslumbrados com a fonte construída em 1738 e financiada por El- rei Dom João V. Ao centro apresenta o brasão com as armas reais e no cimo uma magnífica imagem de Nossa Senhora da Conceição. Aqui matavam a sede pessoas e animais que entravam e saíam da  urbe.
Na extremidade sul da rua, à nossa direita apreciamos um nicho com a imagem de Santo António da Carreira, onde muitos vila-realenses colocam inúmeras velas a arder em sua devoção. Em frente oramos na pequena Capelinha do Senhor da Cerca, mesmo ao lado do imponente prédio do Arquivo Distrital.
Viramos à direita e entramos no majestoso Jardim da Carreira. Desde os finais do Século XIX  serviu de lugar de descanso e lazer à sociedade Vila-realense, que escutava  entusiásticos concertos de Bandas de Música, que tocavam ao despique nos coretos, enquanto as crianças brincavam à volta das tílias e do repuxo central.
O Jardim da Carreira é rematado com uma fonte monumental.


No centro deste espaço aprazível, paramos junto ao pedestal onde pousa o busto de Camilo Castelo Branco elaborado em 1926 com o bronze derretido dos velhos sinos da Igreja de Vila Marim.
Camilo é um dos nossos, diz-nos o escritor que foi em Vila Real onde passou os “mais felizes anos da sua vida”.
Aqui viveu e conviveu, andou à caça, ajudou à missa, foi pastor, jogou à bisca nas tabernas e também armou zaragatas. Em 1848 considerou Vila Real a “sua pátria adoptiva”, mandando mesmo construir uma sepultura no cemitério da Igreja  do Carmo, que escolhera para sua ultima  morada.
Subimos a rampa do Calvário, espreitamos através do portão do Paço Episcopal o túmulo destinado a Camilo Castelo Branco. Chegamos  então à zona mais elevada da cidade, entramos no adro da Igreja do Calvário. Templo construído em 1680, ampliado em 1740, e remodelado em 1803, cujo  largo envolvente foi somente ajardinado e calcetado na última década.
O recinto do Calvário é um deslumbrante miradouro. A norte, temos o campo de Futebol, que nos recorda as jornadas épicas e gloriosas dos atletas alvi-negros do Sport Club de Vila Real.
A nascente, num plano inferior temos o Jardim da Carreira. Mais ao longe a ponte metálica e a estação dos comboios rematada ao fundo pelo santuário da Senhora de Lurdes. Mais distante, sobre a esquerda encontramos as terras de Mateus e Abambres, limitadas, desde a Idade Média,  pelos lameiros da Redonda.
Fomos ainda ao largo Diogo Cão, o primeiro navegador europeu a passar para sul do Equador chegando à foz do rio Zaire. Descobridor que assinalava  a sua passagem pelas terras africanas, colocando padrões.
Com Diogo Cão na memória terminamos esta jornada, regressando mais ricos, mais cultos,  mais amigos e mais solidários à nossa escola que se orgulha de ter este ilustre transmontano como patrono.   

DIOGO CÃO . Sou vilarealense


DIOGO  CÃO:  Sou  vilarealense

Nasci  aqui em Vila Real de Trás-os-Montes, sou filho de Pedro Afonso Cão, magistrado e administrador civil nomeado por D. Dinis, o rei troveiro, fundador da Vila.
Ainda hoje podeis encontrar e visitar a minha casa na parte histórica.

Sempre adorei os rios, aprendi a nadar na Ínsua, uma pequena ilhota na confluência dos rios Corgo e Cabril,  pratiquei mergulho ao saltar a pino para o  Poço  Romão.

Brinquei na Rua do Jazigo ao cacholo, ao pião e ao panelo.

Na Rua de Trás dos Muros, já fora das muralhas, para termos mais espaço para as tropelias, com o bordão do Alleo, joguei à choca e à reca na companhia de Dom Pedro de Meneses.

Vi passar as procissões do “ Corpus Christi ” no Largo do Tabolado, organizadas pelos frades dos Conventos de S. Francisco e S. Domingos.

Alambarei-me com ganchas, cavacórios e bexigas.

Muito jovem ainda, tive que deixar os ares saudáveis da Serra do Marão e partir com destino a Lisboa para servir na Armada Real.

Fiz o caminho na companhia de experientes e simpáticos almocreves que zelaram pela minha segurança e conforto.
Nos primeiros anos na capital tive enormes saudades do pão de trigo, criado nos lameiros da Redonda, moído nos moínhos da Peneda e cozido nos fornos da Vila Velha ...  deliciosamente untado com mel de urze dos montes do Alvão.

Ao iniciar-me na vida de marinheiro, fiz várias viagens ao Golfo da Guiné.
 Sempre muito atento e observador, fui apontando todos os conhecimentos nos mapas e nas cartas náuticas.
Registei ventos e correntes marítmas. Tomei nota da profundidade das águas, fiz desenhos dos recortes da costa e dos encantos e recantos da paisagem.
Com a ajuda do astrolábio, do quadrante e do sextante, medi a altura dos astros, aprendi a determinar as coordenadas. 
Tracei novos rumos e novas rotas.

De regresso a Lisboa, ali na proa da Europa, durante oito anos, preparámos as  futuras expedições.

Nos estaleiros de Belém construímos novas caravelas, mais resistentes e velozes, com adaptações e transformações de equipamento, mastros, cordas e velames, para conseguirmos enfrentar o rigoroso Oceano Atlântico, abandonando a navegação de cabotagem, à vista da costa, por uma rota de mar alto ... guiados agora pelos astros.

 A minha ousadia e  os meus conhecimentos, tornaram-me mais forte, mais seguro e mais pessoa.
Preparei-me para enfrentar os ventos que sopram vigorosamente, as tempestades e calmarias.
   Sentia-me agora,  capaz de enfrentar e vencer os medos dos oceanos.

Assim, em 1482 consegui concretizar o meu sonho de grande velejador.

Foram estas qualidades e capacidades comprovadas que levaram  D. João II, o Príncipe Perfeito, a atribuír-me a capitania da Armada para navegar a costa ocidental da África para Sul, comandando uma tripulação por mares nunca dantes navegados, com  firme propósito de encontrar o caminho para o oceano Índico dobrando o continente africano.

Missão que não consegui ... mas permiti que o meu companheiro Bartolomeu Dias o fizesse em 1487.

Fui o primeiro europeu a ultrapassar o Equador.
 Uma mudança histórica que se projectou no nosso futuro colectivo.

Até ao meu tempo os navegadores tinham por hábito deixar em terra uma cruz de madeira para assinalar as explorações que tinham feito, estas cruzes eram extremamente vulneráveis ao clima e às intempéries.

Eu, coloquei padrões de pedra que espalhei pela costa africana com os símbolos de Portugal, o que causou grande espanto aos nativos.

Estes padrões são marcos indeléveis de uma passagem e o testemunho do  domínio das gentes Lusitanas.

O primeiro padrão, dedicado a S. Jorge, mandei-o colocar na margem sul da foz do rio Zaire.
No Cabo de Sta Maria, coloquei o padrão de S. Agostinho e nele escrevi “Ano de 1482, o mui alto e mui poderoso príncepe, rei D. João II de Portugal, mandou descobrir estas terras e pôr estes padrões por Diogo Cão, escudeiro da sua casa”.

Todos os padrões que deixamos ao longo da costa, fizemos questão de assinalar nas cartas que íamos rectificando e completando.

Navegamos, sempre mais para sul,  ao encontro do Oceano Índico.

Convivi, pacificamente, com os povos do Congo e  de Angola. Partilhámos culturas e tradições. Trocámos prendas e o próprio rei prometeu converter-se ao Cristianismo.

Negociei com os povos de Benim.
 Estas gentes viram pela primeira vez soldados envergar uma armadura munidos de armas e arcabuzes.

Fiz escala na foz do rio Zaire, recebi a bordo vários negros que trouxe para Portugal e devolvi às suas gentes na viagem seguinte, muito bem vestidos e alimentados, maravilhados com o tratamento que tiveram no palácio Real.

 Enviei a terras emissários para conversarem com os reis locais para conhecerem a língua e observarem os seus costumes.

Neste rio, enquanto conseguimos navegar, subimos o seu percurso durante 150 km, até às Cataratas de Ielala.
Numa rocha da margem do rio, os meus homens gravaram uma cruz de Cristo,  o emblema das quinas e escreveram a seguinte frase :
Aqui chegaram os navios do esclarecido rei D. João, o segundo de Portugal”.

As minhas boas relações iniciadas com o rei do Congo, permitiram futuramente o estabelecimento de muitos portugueses nesta região da  misteriosa e longínqua  África, onde fizeram façanhas grandiosas.

Viajando sempre com destino ao sul, estive no Cabo Redondo,  na angra de Santa Maria e no Cabo Lobo.

 Aqui, resolvi dar a volta e regressar a Portugal, trazendo as notícias e a boa-nova ao rei D. João II, cheguei em Abril de 1484.

 Em 8 de Abril de 1484, o rei D, João II ficou tão contente com os resultados desta viagem, que ofereceu, a mim e aos meus filhos, uma tença de 10 mil reais por ter descoberto novas terras para além das partes da Guiné.

O monarca atribuiu-me também uma carta de brasão de armas e o título de fidalgo ... muito superior ao título de navegador, referindo:
 É obrigação dos príncipes ”dar honra aos que por virtudes e serviços o merecem”.

Em 1485 parti para nova expedição.
 Ultrapassei o Monte Negro e a serra Parda, aqui levantei um padrão de mármore com a bandeira de Portugal.

Naveguei mais mil milhas para sul, estávamos no ano de 1486 e nunca mais fui visto... desapareci na sombra.
O meu corpo nunca foi encontrado, mas ... a minha alma continuou a viajar pelo oceano e a acompanhar os portugueses, em especial os grandes acontecimentos ocorridos na minha terra natal e os feitos dos meus conterrâneos.
Por exemplo:
Em 1809
- Estive ao lado do General Silveira a lutar contra as tropas invasoras francesas do General Junot.

Em 1894
-Ajudei o alemão Biel, na central do Agueirinho, a ligar a luz eléctrica. Pela primeira vez uma urbe de Portugal teve as ruas iluminadas através de uma rede pública.





Em 1 Abril de 1906,
- Assisti, no Largo da Estação, ao grande acontecimento da chegada do comboio.
 Corri ao lado da máquina a vapor, no meio da multidão de gente que nunca tinha visto tal coisa.

Em 14 de Outubro de 1918
– Acompanhei, ao leme, o primeiro tenente Carvalho de Araújo a comandar o Caça Minas Augusto de Castilho no combate feroz contra o submarino Alemão U-139,  que se estava  a preparar para atacar o paquete S. Miguel, que navegava do Funchal para Ponte Delgada com 206 passageiros a bordo.

No dia 15 de Junho de 1931, nas Festas de Santo António.

 -  Na reta da meta, com Aureliano Barrigas, levantei a bandeira para dar a partida aos bólides do Circuito Internacional.

 Muito sensibilizado fiquei em 1955.
 Quando o município inaugurou num belo jardim da parte alta, da agora cidade, uma imponente estátua da minha pessoa, da autoria do escultor açoreano Canto da Maia, o grande escultor das estátuas dos heróicos navegadores portugueses.

Mas a grande honra da minha memória aconteceu em 1972.
Superior à tença de 10 mil reais e ao título de fidalgo que D. João II  me ofereceu.
Foi a atribuição do meu nome à Escola onde  estamos.

Uma escola representa a juventude, o conhecimento, o saber, a descoberta, o dar novos mundos ao mundo da criança.
Esta escola ao longo de quatro décadas, tal como eu fui,  é uma escola de causas, de ousadia, de inigualável espírito e sentido nacional, aberta a todos as comunidades.

Um espaço de cultura responsável e participada procurando mais excelência e mais cidadania.
 Hoje encontramos na escola alunos desde os 4 anos de idade até aos 70 anos dando resposta a jovens, pais e avós, posssibilitando a escolaridade e aprendizagens que todos têm direito.

Umbilicalmente ligada à escola encontramos a Associação Desportiva e Cultural que através da prática desportiva das modalidades de futebol e basquetebol, têm transportado pelo mundo os valores,  de uma mente sâ em corpo são.

Estou certo que as gerações que estão a usufruir deste investimento e esforço na educação hão-de retribuir com progresso e desenvolvimento para o país.

Eu, entre os Oceanos e os Astros, vou continuar atento ao vosso  risonho futuro.
Sejam audazes, por bem de Portugal.
Hilário Néry de Oliveira