SANTA ANA
DÁ BRILHO À CAMPEÃ E FELICIDADE ÀS SUAS
GENTES
Correcto e
afirmativo, foi assim que o agente da GNR, em serviço num dos cruzamentos do
percurso, respondeu às instruções do seu superior. Era necessário desimpedir a
rua para passar a Majestosa Procissão de
Santa Ana.
É sem dúvida o
grande acontecimento anual das Terras do Vale, compostas pelas freguesias de
Campeã; Vila Cova e Quintã.
Neste
fim-de-semana a população triplica, chegam de toda a parte da Europa, milhares
de filhos da terra que labutam no Luxemburgo; na França; na Suiça; na Bélgica;
na Inglaterra; na Espanha e outros vindos do próprio país, em especial das
regiões do Litoral, para onde migraram à procura de um nível de vida superior
àquele que as potencialidades maronesas
lhes podia oferecer.
É o grande
momento do encontro ou reencontro, do compartilhar emoções, tristezas e
alegrias, do apresentar os novos elementos da família: mais um filho; mais um
neto; um genro; uma nora. É o momento para iniciar, apalavrar ou concluir, negócios,
compras, vendas, trocas, partilhas, etc.
É o momento de
retomar relações sociais e fortalecer laços de amizade, lá vem o convite para
uma visita, um copo, uma ida à adega provar o presunto, que desde o Inverno aguardava
por este destino no gancho da salgadeira, ou degustar os salpicões para ver se ainda
mantêm o sabor e os temperos dos velhos tempos das avós.
Santa Ana, a
avozinha de todos nós, brilha e faz brilhar em especial a Campeã e as suas
gentes, aumenta-lhes a felicidade, reforça-lhes o ego, mantém-nos unidos ao
rincão Natal. Santa Ana é o argumento único que consegue plasmar e fazer
prevalecer todas as razões porque estes povos regressam com alegria, ternura e
por vezes com sacrifício à sua terra e lhes redobra as energias e a vontade
para regressarem, obrigatoriamente, no próximo ano.
Santa Ana,
esposa de S. Joaquim, mãe de Maria e avó de Jesus Cristo, é o símbolo
esplendoroso de uma sociedade matriarcal onde todos nos revemos, em especial os
povos e as gentes através de afinidades culturais, humanas e climáticas que
constituem este “Terroir” da Campeã, onde por força das necessidades os
homens tiveram de partir em busca do sustento, enquanto as mulheres ficaram ao
leme da família, por vezes comparada a uma grande nau à deriva nas águas revoltas
e turbulentas de uma tempestade, procurando encontrar sobre a
espuma alva o rumo certo.
Cada ano que
passa a Procissão cresce, ganha dimensão e qualidade, tanto no número de
figurantes como na decoração dos andores, mas sobretudo na postura correcta,
empenhada e digna daqueles que a corporizam: Os cavaleiros, a fanfarra, os
escuteiros, as confrarias, os anjinhos, as bandas musicais, os acompanhantes.
Tudo
sabiamente dirigido e orquestrado pelo Pároco Sr. Dr. Manuel Queirós. Uma força
dinâmica da Natureza que Providencialmente foi colocada na freguesia, onde tem
sabido lançar e fazer germinar as sementes que com maestria deita à terra.
Se o grande
momento religioso das festas é a Procissão de Domingo, o grande cartaz
etnográfico desenvolve-se no Sábado, com um programa diversificado de
actividades, com realce para a Feira do gado, sobretudo com a atribuição dos
prémios da Raça Maronesa.
Dezenas de
juntas de bois e vacas são colocadas a concurso, todas vistosas e imponentes,
bem ataviadas, limpas e escovadas com peles lustrosas, ornamentadas com
garridas fitas encarnadas e sonoros colares de chocalhos.
Levar o gado
ao concurso e ganhar o prémio é o corolário de um ano de trabalho e de
canseiras. O resultado de um tratamento sábio e de uma alimentação cuidada e
reforçada, é o brio de toda a família ali representado.
É uma alegria
imensurável receber a Taça das mãos do Senhor Presidente da Junta de Freguesia
e do Senhor Presidente da Junta de Agricultores, que no cimo de um palanque as
entregam como reconhecimento das qualidades dos animais autóctones.
Que bonito é
ver estas duas entidades de mãos dadas em prol de uma causa comum. Bom seria
que assim fosse para todos os grandes projectos e desígnios futuros da
freguesia, que acima das diferentes cores estivesse sempre o progresso, a
afirmação e o desenvolvimento da terra como único objectivo.
Terminado o
prémio do Maronês, segue-se a tradicional corrida de cavalos em Passo-travado.
Este ano inaugurou-se uma nova pista, mais ampla e com melhores condições
sobretudo para espectadores e cavaleiros. Foram muitos os que nos visitaram,
bem apetrechados com montadas de superior qualidade que entusiasmaram toda a
assistência espalhada ao longo das margens sobre os muros de xisto dos lameiros
verdejantes.
Mas o Sábado
de festa só termina depois de uma volta completa pelos restaurantes da terra. É
obrigatório provar o cabrito assado do Restaurante Amaro, as deliciosas tripas
do Restaurante Alberto da Feira e, a chanfana de cabra do Restaurante Zézita,
que a mãe D. Cidália, nos meados do Séc. passado, trouxe das encostas do Rio
Mondego, para as cercanias da Serra do Marão.
Tudo como na
infância, quando me diziam: “Hoje,
excepcionalmente, podes comer o cabrito com as mãos, mas a seguir tens que ir a
correr lavá-las à Fonte da Venda, para depois irmos às tendeiras comprar o
brinquedo, prenda da Festa”.
Já sabia que
vinha mais uma bola, pois a automaca vermelha de folha de Flandres e a
espingarda de madeira de carregar pela boca, seriam sempre censuradas.
A primeira pela cor, a segunda
pelo combate à agressividade.
Hilário Néry de Oliveira,
Professor de História
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