DIOGO CÃO:
Sou vilarealense
Nasci aqui em Vila
Real de Trás-os-Montes, sou filho de Pedro Afonso Cão, magistrado e
administrador civil nomeado por D. Dinis, o rei troveiro, fundador da Vila.
Ainda hoje podeis encontrar e visitar a minha casa na parte
histórica.
Sempre adorei os rios, aprendi a nadar na Ínsua, uma pequena
ilhota na confluência dos rios Corgo e Cabril, pratiquei mergulho ao saltar a pino para o Poço Romão.
Brinquei na Rua do Jazigo ao cacholo, ao pião e ao panelo.
Na Rua de Trás dos Muros, já fora das muralhas, para termos
mais espaço para as tropelias, com o bordão do Alleo, joguei à choca e à reca
na companhia de Dom Pedro de Meneses.
Vi passar as procissões do “ Corpus Christi ” no Largo do Tabolado, organizadas pelos frades dos
Conventos de S. Francisco e S. Domingos.
Alambarei-me com ganchas, cavacórios e bexigas.
Muito jovem ainda, tive que deixar os ares saudáveis da Serra
do Marão e partir com destino a Lisboa para servir na Armada Real.
Fiz o caminho na companhia de experientes e simpáticos
almocreves que zelaram pela minha segurança e conforto.
Nos primeiros anos na capital tive enormes saudades do pão de
trigo, criado nos lameiros da Redonda, moído nos moínhos da Peneda e cozido nos
fornos da Vila Velha ... deliciosamente
untado com mel de urze dos montes do Alvão.
Ao iniciar-me na vida de marinheiro, fiz várias viagens ao
Golfo da Guiné.
Sempre muito atento e
observador, fui apontando todos os conhecimentos nos mapas e nas cartas
náuticas.
Registei ventos e correntes marítmas. Tomei nota da
profundidade das águas, fiz desenhos dos recortes da costa e dos encantos e
recantos da paisagem.
Com a ajuda do astrolábio, do quadrante e do sextante, medi a
altura dos astros, aprendi a determinar as coordenadas.
Tracei novos rumos e novas rotas.
De regresso a Lisboa, ali na proa da Europa, durante oito
anos, preparámos as futuras expedições.
Nos estaleiros de Belém construímos novas caravelas, mais
resistentes e velozes, com adaptações e transformações de equipamento, mastros,
cordas e velames, para conseguirmos enfrentar o rigoroso Oceano Atlântico,
abandonando a navegação de cabotagem, à vista da costa, por uma rota de mar
alto ... guiados agora pelos astros.
A minha ousadia e os meus conhecimentos, tornaram-me mais forte,
mais seguro e mais pessoa.
Preparei-me para enfrentar os ventos que sopram
vigorosamente, as tempestades e calmarias.
Sentia-me agora, capaz de enfrentar e vencer os medos dos
oceanos.
Assim,
em 1482 consegui concretizar o meu sonho de grande velejador.
Foram estas qualidades e capacidades comprovadas que
levaram D. João II, o Príncipe Perfeito,
a atribuír-me a capitania da Armada para navegar a costa ocidental da África
para Sul, comandando uma tripulação por mares nunca dantes navegados, com firme propósito de encontrar o caminho para o
oceano Índico dobrando o continente africano.
Missão que não consegui ... mas permiti que o meu companheiro
Bartolomeu Dias o fizesse em 1487.
Fui o primeiro europeu a ultrapassar o Equador.
Uma mudança histórica
que se projectou no nosso futuro colectivo.
Até ao meu tempo os navegadores tinham por hábito deixar em
terra uma cruz de madeira para assinalar as explorações que tinham feito, estas
cruzes eram extremamente vulneráveis ao clima e às intempéries.
Eu, coloquei padrões de pedra que espalhei pela costa
africana com os símbolos de Portugal, o que causou grande espanto aos nativos.
Estes padrões são marcos indeléveis de uma passagem e o
testemunho do domínio das gentes
Lusitanas.
O primeiro padrão, dedicado a S. Jorge, mandei-o colocar na
margem sul da foz do rio Zaire.
No Cabo de Sta Maria, coloquei o padrão de S. Agostinho e
nele escrevi “Ano de 1482, o mui alto e
mui poderoso príncepe, rei D. João II de Portugal, mandou descobrir estas
terras e pôr estes padrões por Diogo Cão, escudeiro da sua casa”.
Todos os padrões que deixamos ao longo da costa, fizemos
questão de assinalar nas cartas que íamos rectificando e completando.
Navegamos, sempre mais para sul, ao encontro do Oceano Índico.
Convivi, pacificamente, com os povos do Congo e de Angola. Partilhámos culturas e tradições.
Trocámos prendas e o próprio rei prometeu converter-se ao Cristianismo.
Negociei com os povos de Benim.
Estas gentes viram
pela primeira vez soldados envergar uma armadura munidos de armas e arcabuzes.
Fiz escala na foz do rio Zaire, recebi a bordo vários negros
que trouxe para Portugal e devolvi às suas gentes na viagem seguinte, muito bem
vestidos e alimentados, maravilhados com o tratamento que tiveram no palácio
Real.
Enviei a terras
emissários para conversarem com os reis locais para conhecerem a língua e
observarem os seus costumes.
Neste rio, enquanto conseguimos navegar, subimos o seu
percurso durante 150 km, até às Cataratas de Ielala.
Numa rocha da margem do rio, os meus homens gravaram uma cruz
de Cristo, o emblema das quinas e
escreveram a seguinte frase :
“Aqui chegaram os
navios do esclarecido rei D. João, o segundo de Portugal”.
As minhas boas relações iniciadas com o rei do Congo,
permitiram futuramente o estabelecimento de muitos portugueses nesta região da misteriosa e longínqua África, onde fizeram façanhas grandiosas.
Viajando
sempre com destino ao sul, estive no Cabo Redondo, na angra de Santa Maria e no Cabo Lobo.
Aqui, resolvi dar a
volta e regressar a Portugal, trazendo as notícias e a boa-nova ao rei D. João
II, cheguei em Abril de 1484.
Em 8 de Abril de 1484,
o rei D, João II ficou tão contente com os resultados desta viagem, que
ofereceu, a mim e aos meus filhos, uma tença de 10 mil reais por ter descoberto
novas terras para além das partes da Guiné.
O monarca atribuiu-me também uma carta de brasão de armas e o
título de fidalgo ... muito superior ao título de navegador, referindo:
É obrigação dos príncipes ”dar honra aos que
por virtudes e serviços o merecem”.
Em 1485 parti para nova expedição.
Ultrapassei o Monte Negro
e a serra Parda, aqui levantei um padrão de mármore com a bandeira de Portugal.
Naveguei mais mil milhas para sul, estávamos no ano de 1486 e
nunca mais fui visto... desapareci na sombra.
O meu corpo nunca foi encontrado, mas ... a minha alma
continuou a viajar pelo oceano e a acompanhar os portugueses, em especial os
grandes acontecimentos ocorridos na minha terra natal e os feitos dos meus
conterrâneos.
Por exemplo:
Em 1809
- Estive ao lado do General Silveira a lutar contra as tropas
invasoras francesas do General Junot.
Em 1894
-Ajudei o alemão Biel, na central do Agueirinho, a ligar a
luz eléctrica. Pela primeira vez uma urbe de Portugal teve as ruas iluminadas
através de uma rede pública.
Em 1 Abril de 1906,
- Assisti, no Largo da Estação, ao grande acontecimento da
chegada do comboio.
Corri ao lado da
máquina a vapor, no meio da multidão de gente que nunca tinha visto tal coisa.
Em 14 de Outubro de
1918
– Acompanhei, ao leme, o primeiro tenente Carvalho de Araújo
a comandar o Caça Minas Augusto de Castilho no combate feroz contra o submarino
Alemão U-139, que se estava a preparar para atacar o paquete S. Miguel,
que navegava do Funchal para Ponte Delgada com 206 passageiros a bordo.
No dia 15 de Junho de 1931, nas Festas de Santo António.
- Na reta da meta, com Aureliano Barrigas, levantei
a bandeira para dar a partida aos bólides do Circuito Internacional.
Muito sensibilizado fiquei em 1955.
Quando o município inaugurou num belo jardim
da parte alta, da agora cidade, uma imponente estátua da minha pessoa, da
autoria do escultor açoreano Canto da Maia, o grande escultor das estátuas dos
heróicos navegadores portugueses.
Mas a grande honra da minha memória aconteceu em 1972.
Superior à tença de 10 mil reais e ao título de fidalgo que
D. João II me ofereceu.
Foi a atribuição do meu nome à Escola onde estamos.
Uma escola representa a juventude, o conhecimento, o saber, a
descoberta, o dar novos mundos ao mundo da criança.
Esta escola ao longo de quatro décadas, tal como eu fui, é uma escola de causas, de ousadia, de inigualável
espírito e sentido nacional, aberta a todos as comunidades.
Um espaço de cultura responsável e participada procurando
mais excelência e mais cidadania.
Hoje encontramos na
escola alunos desde os 4 anos de idade até aos 70 anos dando resposta a jovens,
pais e avós, posssibilitando a escolaridade e aprendizagens que todos têm
direito.
Umbilicalmente ligada à escola encontramos a Associação
Desportiva e Cultural que através da prática desportiva das modalidades de
futebol e basquetebol, têm transportado pelo mundo os valores, de uma mente sâ em corpo são.
Estou certo que as gerações que estão a usufruir deste
investimento e esforço na educação hão-de retribuir com progresso e
desenvolvimento para o país.
Eu, entre os Oceanos e os Astros, vou continuar atento ao
vosso risonho futuro.
Sejam audazes, por bem de Portugal.
Hilário Néry de Oliveira
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